quinta-feira, 19 de abril de 2012

O MENINO E O PADRE

O menino e o padre
Nos tempos mais remotos, padres faziam desobrigas quase de casa em casa, montados em cavalos e com um sacristão como ajudante. Às vezes, longas distâncias de uma morada pra outra, naqueles sertões secos. Chegavam sedentos e famintos. Era preciso fazer uma parada para se refazer, inclusive os animais. Foi numa dessas viagens que um padre chegou numa casinha pobre e avistou um menino atiçando o fogo da panela que cozia o feijão. Deu pouca atenção ao padre. Com uma lasquinha de lenha feito espeto ia pegando os caroços que subiam na fervura ia enganando a fome. O padre perplexo perguntou:
_ O que estás fazendo ai, menino?
Ele respondeu:
_ Comendo os que vêm e esperando os que há de vir.
O padre retrucou:
_ Sabidão, hem! Cadê teu pai?
O menino respondeu:
_ Foi plantar uma semente que nunca vai nascer.
(Tinha ido a um enterro)
_ E tua mãe?
_ Foi ajudar na colheita da plantada no ano passado. (Tinha ido fazer o parto de sua vizinha).
E o padre diante das astuciosas respostas do menino, não via solução e a fome cada vez mais braba. Pediu um prato de feijão ao menino. O menino pensou um pouco e disse:
_ O feijão já é pouco pra nós, mas como minha mãe sempre dizia que padre é ministro de Deus vou vê se você faz o feijão aumentar.
E buscou uns pratinhos de barro lá pelos cafiotes e uma casca de pau que era a concha. Foi catando os caroços na ebulição da fervura. E o padre já não se aguentava de tanta impaciência. Tomou o prato e a casca das mãos do menino e fez o prato dele e para o sacristão. Só sobrou o caldo. O tempero era o sal e estava bem temperado. O padre pediu água e o menino disse:
_ Só se for no rio. Só temos um pote e está com o resto da garapa. O rio era na frente da casa. Mas o padre preferiu a garapa. O menino pegou uma cuia, virou o pote e encheu de garapa. O padre bebeu e deu um pouco pro sacristão.
O menino perguntou:
_ Seu padre, quer mais?
O  padre disse:
_ Não, que quando teu pai chegar pode brigar.
O menino disse:
_ Briga nada! Ontem ele falou que era pra derramar, que ele tinha tirado um rato morto de dentro.
O padre ficou irado. Pegou a cuia e disse:
_ Vou quebrar essa cuia na tua cabeça, menino do diabo.
Então o menino clamou:
_ Pelo amor de Deus seu padre... Não quebre a cuia que a mamãe mija dentro.
O padre então enfurecido e decepcionado clamou ao se ajudante a seguirem a viagem. Mas tinham que atravessar o rio que ficava na frente da casa. Como não conhecia a fundura da água fez uma pergunta ao menino:
_ Dá para passar o rio sem molhar a sela do cavalo?
Ao que o diabinho respondeu;
_ Tá raso. O gado do meu pai passa sem água nas costelas.
(Só que o padre não sabia que o gado que ele chamava era os patos)
Enraivecido o padre chicoteou o cavalo que entrou com todo arrojo na água que dava nado logo de entrada. O pior é que o padre não sabia nadar.
Naquele momento chegava o pai do menino que correu para ajudar o padre, salvando-o e trazendo o padre de volta ao rancho. Ele aconselhou o padre a pernoitar enquanto as coisas molhadas secassem. Nesse instante chegava a dona da casa contente por deixar a vizinha em paz com seu nenê. Junto com o marido trataram da hospedagem. Deram o melhor que podiam, mesmo que não tivesse conforto. Mas uma noite se passa até pendurado pelo pé. E o menino? Ele ficou calado pelos cantos das paredes. Olhava o padre meio desconfiado. O padre ainda chocado com o que se passou sondava um meio de dar um castigo naquele pivete.
A noite conversaram um pouco sobre religião. O padre fez elogios ao menino deles. Que era inteligente e que deviam coloca-lo para estudar no seminário para ser padre. Ambos ficaram meio desconfiados:
_ Mas cadê o dinheiro para pagar os estudos?
O padre disse:
_ Quanto a isso deixe por minha conta. Se concordarem eu levo o menino no meio da carga dos apetrechos que eu levo para completar a minha missão.
Lá muito adiante o padre começou a ensinar o menino.
_ Agora seu garoto esperto vai pagar pelas gracinhas! Diga quem sou eu?
_ É um padre. Seu nome eu não sei senhor.
_ Meu nome é Papai Cristo. E não é pra esquecer.
Dai mandou o sacristão dá-lhe de castigo três chibatadas. O padre disse:
_ Isso é pra memorizar bem o que eu vou lhe ensinando.
Mas adiante uma corrente de água. O padre perguntou:
_ O que é isso que o cavalo está bebendo?
O menino falou:
_ O cavalo está bebendo é água, seu padre, sabe não?
_ Sei, mas chamam abundância.
Outras três chibatadas. E o menino gravando bem os nomes que o padre ensinava. Já no fim do dia, chegaram numa casinha coberta de palha e se dispuseram a pernoitar. Quando se aproximaram da casinha o padre perguntou ao menino:
_ O que está vendo?
_ Uma casa de palha. O senhor não está vendo não?
_ Estou. É uma palhoça.
Mais castigo no menino. Tinha uma mulher na porta e o padre perguntou:
_ Quem é essa?
O menino disse:
_ Deve ser a dona da casa.
O padre disse:
_ É. Mas qual o nome dela?
_ É Balseirona.
O menino levou três chibatadas. Logo que se agasalharam na palhoça apareceu uma gatinha que logo tomou amizade com o menino. O padre perguntou:
_ Como se chamava a gata?
O menino já zangado de tanto nome esquisito e também de apanhar disse:
_ Sei lá seu padre.
O padre disse:
_ É Papa rato.
O menino foi castigado de novo. A Balseirona era tão pobre que não tinha nem lamparina. Ela acendeu um fogo no terreiro para iluminar a casa. O padre perguntou:
_ Como, você menino, chama fogo?
_ É fogo, disse o menino.
_ É clareia mundo, disse o padre. E por hoje é o último castigo, pois tem que dormir na beira do fogo com o Papa rato e não deixaram o fogo apagar.
O pobre do menino magoado com tanto castigo que pegou no primeiro dia, ficou a pensar se valia apena prosseguir. Como estava com raiva do padre imaginou logo um modo de se vingar. Fez um maço de capim seco e amarrou no rabo da gata enquanto meditava as palavras que o padre lhe tinha ensinado e disse consigo “ eu vou voltar, mas vou me vingar disso padre malvado.” Pegou a gatinha e incendiou o maço de capim e jogou em cima da palhoça, gritando:
_ Acorda, Papai Cristo, da palhoça da Balseirona, que lá vai o Papa rato com clareia mundo no rabo. Se não acudir com abundância, morre tudo e vão se pro diabo.
Queimou toda a palhoça e o padre morreu queimado. O menino voltou para sua casa no cavalo do padre. Seus pais o receberam com muito carinho.
Contada e Escrita por
Maria Marlene de vasconcelos
                                                                                                             Cruz, 20/10/2004


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